NBR 17193 teria sido publicada sem consenso do comitê da norma

Fontes ouvidas pelo Canal Solar afirmam que os ritos para a publicação na ABNT NBR 17193:2025 não foram seguidos
NBR 17193 teria sido publicada sem consenso do comitê de norma
ABSOLAR realizará reunião com representantes da ABNT e do CB-24 no dia 18 de fevereiro. Foto: Freepik

A recente publicação da “ABNT NBR 17193:2025 – Segurança contra incêndios em instalações fotovoltaicas — Requisitos e especificações de projetos — Uso em edificações” tem gerado questionamentos por parte dos integrantes do CB-24 (Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio) sobre como o processo se desenvolveu desde a criação e publicação do texto.

Ao Canal Solar, estes profissionais afirmaram que o texto submetido a Consulta Nacional ainda estava sob análise e que, conforme agenda estabelecida ao final de 2024, seguiria para aprimoramento e debate ao longo de 2025.

“Na última reunião realizada em novembro de 2024 ainda havia diversos pontos pendentes que precisavam ser discutidos e refinados. Desde então, nenhuma outra reunião foi realizada, e a ABNT publicou a norma sem finalizar as discussões e sem garantir o consenso entre os membros do comitê”, relatou Bruno Furtado, engenheiro de Aplicações e gerente de Projetos da SMA.

Além disso, informaram que havia múltiplos pontos do texto que ainda precisavam ser discutidos e entrado em pauta no grupo. “Entendia-se que os encontros continuariam até que se atingisse um consenso entre os membros do comitê. No entanto, a norma foi publicada sem a devida aprovação dos participantes que estiveram ativamente envolvidos em sua elaboração e discussão desde o início”, explicou Ariel Martins, coordenador técnico da Sungrow.

“Reconhecemos que a segurança em sistemas fotovoltaicos é um aspecto fundamental e inegociável. Por essa razão, sempre adotamos uma postura colaborativa, pautada na transparência e na construção de um ambiente de debate justo, técnico e embasado”, enfatizou.

Outro integrante do comitê, Fabio Bortoletto, engenheiro de Projetos Sênior da TBEA, reforçou que os ritos da ABNT de revisão da consulta pública não foram respeitados. “Não ocorreram todas as reuniões necessárias para que houvesse consenso entre os membros do comitê técnico”, disse ele, acrescentando que existem pontos na norma que são muito restritivos ao setor e precisam ser revisados e discutidos.

A falta de comunicação da ABNT com os profissionais do mercado também foi alvo de críticas. “Os membros do comitê gastaram centenas de horas em reuniões e não tiveram acesso ao texto final da norma antes de sua publicação. Se havia um prazo para a publicação, por que ele não foi discutido? Por que não foram marcadas novas reuniões desde novembro?”, questionou Furtado.

Norma da ABNT obriga uso de AFCI e função de desligamento rápido em edificações

Incertezas e reflexos no mercado

Além das questões levantadas, Ariel Martins disse que o texto desconsidera os prazos estabelecidos pelo Inmetro para a adaptação e comercialização de produtos, bem como a incompatibilidade de determinadas funcionalidades exigidas com o estoque de equipamentos já importados por distribuidores e instaladores em território nacional.

Outro ponto controverso da norma, apontado por Martins, é a inclusão de funcionalidades de segurança que carecem de um escopo de ensaio definido. “Um exemplo claro é o dispositivo de desligamento rápido, mencionado no texto como item obrigatório, mas sem parâmetros técnicos claros para sua avaliação e certificação”.

“A não inclusão de sistemas fotovoltaicos integrados a sistemas de armazenamento de energia elétrica e seus acessórios evidencia a fragilidade do texto, ao ignorar uma aplicação com grande potencial de crescimento no país”, concluiu.

ABSOLAR discute impactos da norma com associados

A ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) realizou, na última terça-feira (11), uma reunião com os associados para tratar da NBR 17193:2025. Na ocasião, foi apresentado o histórico de desenvolvimento da norma, cuja primeira minuta foi apresentada em março de 2024, passou por Consulta Nacional entre 7 de agosto e 5 de setembro e foi publicada no dia 4 fevereiro de 2025.

Os participantes também destacaram que, ao longo do processo, ocorreram diversas contribuições técnicas do setor e que havia a expectativa de continuidade das discussões em 2025, conforme informado na última reunião, ocorrida em 5 de novembro de 2024.

Com as exigências trazidas pela norma, de obrigatoriedade dos equipamentos de segurança contra arco elétrico e desligamento rápido, a NBR 17193:2025 trouxe dúvidas sobre o impacto dessa antecipação e os caminhos para garantir um alinhamento adequado entre a norma e a realidade do mercado. Os associados reforçaram a importância de buscar entendimento com o comitê CB-24 sobre o andamento do processo e avaliar possíveis desdobramentos futuros.

A ABSOLAR destacou ainda a importância da participação do mercado nas reuniões do CB-24, que em 2025 discutirá a publicação de uma norma de segurança contra incêndios para sistemas de solo. Para se inscrever, basta acessar o site: https://www.abntonline.com.br/normalizacao/form.aspx e selecionar o CB 024:107.002.

O que diz a ABNT?

Questionada sobre o processo da norma, a assessoria da ABNT informou, por meio de nota assinada por Mario Esper, presidente da Associação, que todas as normas técnicas brasileiras são elaboradas por meio de um processo participativo e transparente, conduzido por comitês técnicos compostos por especialistas, representantes do setor produtivo, consumidores e entidades reguladoras.

“A norma NBR 17193:2025 foi desenvolvida com o objetivo de elevar a segurança das instalações fotovoltaicas em edificações, prevenindo riscos de incêndio por meio de diretrizes técnicas baseadas nas melhores práticas internacionais”, disse.

“Durante sua elaboração, foram realizadas diversas discussões técnicas e uma fase de consulta nacional pública, permitindo que qualquer interessado apresentasse sugestões. Todas as contribuições recebidas foram analisadas pelo comitê técnico responsável, seguindo critérios técnicos e de consenso para sua incorporação ou eventual rejeição”, ressaltou Esper.

De acordo com ele, os requisitos estabelecidos na norma, incluindo o uso de Dispositivos de Proteção contra Arco Elétrico (AFCI) e a função de desligamento rápido, seguem recomendações internacionais e têm o propósito de reduzir riscos de incêndio e proteger vidas e patrimônios. “Essas exigências já são adotadas em outros países e refletem o compromisso da ABNT em garantir maior segurança para usuários e profissionais do setor”, finalizou.

ABSOLAR articula diálogo entre ABNT e representantes do CB-24

No sentido de contribuir com a interlocução entre o setor e a ABNT, a ABSOLAR realizará reunião com representantes da ABNT e do CB-24 no dia 18 de fevereiro, às 16h, com o objetivo de compreender melhor os fatores que levaram à publicação da norma neste momento e buscar caminhos para um alinhamento que considere as demandas do setor.

Afinal, como são elaboradas as normas técnicas da ABNT?

A ABNT é reconhecida como o Foro Nacional de Normalização desde a sua fundação, em 28 de setembro de 1940, reconhecimento este formalizado pelo governo federal por meio de diversos instrumentos legais, sendo a única entidade formalmente autorizada a elaborar normas técnicas.

“A relevância das normas homologadas pela ABNT ultrapassa a esfera técnica, integrando-se ao ordenamento jurídico do Brasil. As normas, elaboradas por consenso em comissões setoriais da ABNT, não são meramente orientativas, mas obrigatórias, não pela sua origem, elaboradas pela sociedade, mas pelo fato que têm força de lei devido a decretos, regulamentos e outras formas de atos normativos”, explicou Paulo Edmundo Freire, professor do Curso de Aterramento e SPDA do Canal Solar e proprietário da Paiol Engenharia.

De acordo com ele, a integração normativa é particularmente evidente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelecido pela Lei nº 8.078 de 1990. “O CDC é um marco na proteção dos direitos do consumidor brasileiro, determinando que produtos ou serviços não podem divergir das normas expedidas por órgãos oficiais ou, na ausência destas, das normas da ABNT”.

“Esta exigência legal enfatiza a importância da uniformidade e qualidade no mercado, resguardando a segurança e os direitos dos consumidores. O CDC, em seu artigo 39, VIII, proíbe a oferta de produtos ou serviços que não estejam em conformidade com as normas ABNT, na falta de regulamentos específicos”, relatou.

O Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações (COBEI), é o braço da ABNT que elabora as normas técnicas do setor elétrico. Foi fundado em 1908 e, em 1940, foi incorporado à ABNT, como o comitê ABNT/CB-003.

Em junho de 2002 foi feita a refundação do COBEI, como “Associação Civil Privada, mantida por associações de classe e empresas da área eletroeletrônica”. Em dezembro de 2002 o COBEI passa a representar o Brasil junto à IEC –International Eletrotechnical Comission, organismo normativo internacional, baseado na Europa.

“No âmbito do COBEI existem diversas Comissões de Estudos que discutem e elaboram os diferentes temas de interesse do setor. Um exemplo é o CE 003:102.001 – Aterramentos Elétricos, que elabora e revisa as normas relativas a sistemas de aterramento”, apontou o especialista.

As comissões de estudo do COBEI são formadas por membros da sociedade, de maneira geral, profissionais do setor, com experiência em assuntos específicos, que se reúnem regularmente para elaborar novas normas ou atualizar normas já existentes. A orientação do COBEI é que as normas do setor elétrico sejam alinhadas com a normalização internacional IEC.

“No âmbito das comissões de estudos é normal que surjam pressões por grupos com interesses específicos, pois esta é a dinâmica de qualquer sociedade. Porém as coordenações dos grupos atuam no sentido de privilegiar as questões técnicas e, acima de tudo, de segurança”, comentou Freire.

Uma vez concluída a elaboração do texto, seja de uma norma nova ou da revisão de uma norma existente, ela vai para a Consulta Nacional, para ser submetida ao crivo de todas as partes interessadas, que podem comentar o texto aprovando ou reprovando a norma de três modos:

  • Aprovação sem restrições – o que significa que o projeto está apto a ser publicado como Norma Brasileira;
  • Aprovação com objeções de forma, em anexo, com sugestão de melhoria do texto apresentado na Consulta Nacional;
  • Reprovação do conteúdo técnico do projeto, com a apresentação das objeções técnicas que embasam a reprovação.

Findo o período de Consulta Nacional, a comissão de estudo que elaborou a norma se reúne para avaliar e responder todas as contribuições, incorporando ao texto da norma as contribuições que forem reconhecidas como aperfeiçoamento do texto originalmente proposto. Nesta reunião as contribuições recebidas podem ser aceitas ou não, por consenso, segundo três alternativas:

  • Aceita – entende-se que a recomendação recebida é pertinente e a modificação, exclusão ou inclusão no projeto é necessária;
  • Aceita parcialmente – entende-se que a recomendação recebida é pertinente e decide-se aplicá-la ao projeto, porém com adequações na proposta original encaminhada;
  • Não aceita – entende-se que a recomendação recebida não é pertinente ou o embasamento técnico não justifica a alteração do projeto.

“Quando as recomendações que forem aceitas alterarem tecnicamente o texto original, o novo texto deve ser submetido novamente à Consulta Nacional”, concluiu Paulo Freire.

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Foto de Mateus Badra
Mateus Badra
Jornalista graduado pela PUC-Campinas. Atuou como produtor, repórter e apresentador na TV Bandeirantes e no Metro Jornal. Acompanha o setor elétrico brasileiro desde 2020.

Uma resposta

  1. Quando a Tecnologia Fotovoltaica se expandiu no Brasil através de “N” distribuidores, as regras para AFCI e Rapid Shutdown já eram obrigatórias na Europa e USA…..resumindo, importara lixo para o Brasil. Depois de todo esse período, tentam implantar algo realmente efetivo no país, mas ao contrário do que esperamos, a movimentação é para “desacreditar” a norma e não para difundir a mesma através de exigências do Imetro ou Concessionárias elétricas.
    Me sinto envergonhado diante dessas coisas.

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