A Amazônia é caracterizada pelo seu tamanho, por sua biodiversidade e por sua gama de recursos naturais.
Sua população é composta, em grande maioria, por comunidades tradicionais e rurais, que se dispersam ao longo das florestas, principalmente próximo às calhas de rios, que propiciam aos habitantes possibilidade de locomoção e alimentação.
Muitas destas comunidades, por conta de seu isolamento geográfico, encontram-se também isoladas do ponto de vista do abastecimento elétrico, com baixa demanda por energia para fins de produção e uso residencial, fazendo com que o atendimento seja pouco atrativo ou inviável para o atendimento pelas concessionárias de energia elétrica, devido ao elevado custo das linhas de transmissão de energia.
Consequentemente, essas populações estão desprovidas de todos os benefícios da energia elétrica, desde o simples acesso aos principais meios de comunicação, passando pela precariedade da educação, até mesmo a falta das mínimas condições de moradia necessárias a todo cidadão.
Essas comunidades ainda utilizam como principal fonte de luz durante a noite a velha lamparina à base de querosene ou carbureto. Embora o Governo Federal tenha lançado em novembro de 2003 o Programa Luz para Todos, a realidade dessa população continua quase inalterada em muitas questões.
Problemas socioambientais ocorridos a nível mundial, principalmente nas últimas décadas, motivaram a ONU (Organização das Nações Unidas) [1] a lançar em 2015 uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, com 17 objetivos para transformar o mundo promovendo justiça e igualdade social.
Entre os objetivos está o ODS-7 (objetivo de desenvolvimento sustentável), que prevê o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos.
Os países devem, até 2030, expandir a infraestrutura e a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia elétrica modernos e sustentáveis, particularmente nos países menos desenvolvidos, nos pequenos estados insulares em desenvolvimento e nos países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus respectivos programas de apoio.
Porém, a universalização da energia elétrica no Brasil ainda apresenta grandes entraves para alcançar o ODS-7. Em 2019, a estimativa do número de pessoas fora do SIN (Sistema Interligado Nacional) na Amazônia Legal era de 990 mil habitantes.
Neste mesmo ano, o Ministério de Minas e Energia [2] anunciou que seria necessário de sete a dez anos para o atendimento de 72 mil famílias nessa região e que desde o início do programa, apenas 3 mil famílias dessas áreas haviam sido atendidas por meio do programa Reserva Extrativista Verde para Sempre no Pará.
As políticas que visam o atendimento energético às comunidades isoladas têm muitas limitações que inviabilizam quaisquer iniciativas em pequena escala. Dentre as possíveis soluções para o problema estão o uso de fontes renováveis, a geração híbrida de energia e as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), entre outras.
Quando as comunidades contam com alguma fonte de energia, em geral são geradores movidos a diesel, utilizados de forma coletiva pelos moradores durante algumas horas por dia para iluminação ou para assistirem à televisão.
Esse sistema não é disponibilizado todos os dias. O uso de geradores a diesel promove poluição ambiental e sonora, contém tecnologia obsoleta, possui dependência de manutenção contínua e oferece difícil acesso para técnicos especializados aos locais.
Entre os diversos problemas estão os riscos do transporte de combustíveis com recipientes inadequados e carga inflamável junto à população nas embarcações, além do elevado custo do combustível e da dificuldade logística para o abastecimento.
Mas essa realidade vem mudando nos últimos anos, pois para suprir necessidades básicas de algumas comunidades estão sendo implantados – a partir de iniciativas privadas, públicas e, principalmente, não-governamentais – sistemas de energia solar para o bombeamento de água, para o abastecimento doméstico, para a iluminação pública e a eletrificação de escolas, postos de saúde e centros comunitários.
Projeto piloto de eletrificação
Um projeto piloto de eletrificação foi implantado na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (Resex), com instalações iniciadas em 2017 e inauguração em 2018, especificamente na comunidade de Carão. O território da Resex apresenta área de quase 650 mil hectares, localizada entre dois municípios do oeste paraense – Santarém e Aveiro.
É a reserva mais populosa do Brasil, com cerca de 22 mil habitantes distribuídos em 74 comunidades, em sua maioria populações tradicionais agroextrativistas de baixa renda e em situação de vulnerabilidade. Seus moradores vivem em geral do extrativismo e da agricultura de subsistência [3].
Embora a presença do sistema público venha aumentando, ainda tem alcance insuficiente, sobretudo no acesso aos serviços básicos de saúde, educação, saneamento, energia e comunicação.
O dimensionamento do sistema de eletrificação rural isolado teve como parâmetro os padrões mínimos de atendimento estabelecidos pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) [4]. SIGFI (Sistemas Individuais de Geração de Energia Elétrica com Fontes Intermitentes) 13:
- Consumo diário de referência de 435 Wh/dia;
- Autonomia mínima 2 dias;
- Potência mínima disponibilizada de 250 W;
- Disponibilidade mensal garantida 13 kWh.
A comunidade de Carão, antes de receber o projeto de energia solar, contava apenas com a disponibilidade de um gerador a diesel que fornecia energia aos comunitários entre os horários de 19h e 22h.
Além dos problemas ambientais causados pelo uso do diesel, ao longo do ano o gerador passava cerca de três a quatro meses sem funcionar por problemas técnicos ou falta de combustível. O resultado do dimensionamento do sistema fotovoltaico para beneficiar a comunidade foi um projeto composto por [5]:
- 2 módulos solares de 150 W;
- 2 baterias estacionárias de chumbo-ácido de 150 Ah;
- 1 controlador de cargas de 30 A com tecnologia MPPT;
- 1 inversor CC/CA de 300 W 12 V/127 V;
- String-box CC e caixa de proteção CA.
O projeto de eletrificação apresenta as proteções necessárias como caixas de proteção CC e CA com disjuntores, DPS e fusíveis para a proteção dos equipamentos, prolongando a vida útil com o objetivo de aumentar o tempo de troca dos equipamentos, além da proteção dos usuários.
Com a implantação do projeto piloto de energia solar para a eletrificação das comunidades, vemos que é possível levar energia de qualidade e de forma sustentável como ocorreu com os 21 domicílios da comunidade de Carão.
Desta forma, a implantação desses sistemas colaborou também para o desenvolvimento socioambiental local, promovendo acesso a melhor qualidade de vida para os habitantes.
As instalações recebem acompanhamento, com a coleta de dados de geração e consumo para pesquisa e estudo da performance do sistema fotovoltaico. Todos os resultados desse projeto são utilizados como parâmetros para a replicação em outras comunidades isoladas da Resex Tapajós-Arapiuns.
Este piloto faz parte do projeto Energias Renováveis para o Desenvolvimento Comunitário do Tapajós – Uma experiência demonstrativa na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, financiado pela Mott Foundation junto ao Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental – Projeto Saúde & Alegria.
A perspectiva desse projeto é a difusão da energia solar para o desenvolvimento sustentável das comunidades da Amazônia, em suas diversas aplicações como SIGFI, sistemas de bombeamento de água, sistemas híbridos FV-diesel, acesso à internet e refrigeração.
Referências
[1] ONU. Objetivo 7: Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos. Organização das Nações Unidas. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/ods7/>.
[2] Agência Câmara de Notícias. Governo prevê prazo de 7 a 10 anos para que luz chegue a 72 mil famílias da Amazônia. Novembro de 2019. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/617876-governo-preve-prazo-de-7-a-10-anos-para-que-luz-chegue-a-72-mil-familias-da-amazonia/>
[3] Costa, T.S. Estudo e simulação de sistemas fotovoltaicos híbridos para aplicação autônoma e conectada à rede. Dissertação. Universidade Estadual de Campinas, 2019.
[4] ANEEL. RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 493. Agência Nacional de Energia Elétrica, 2012. Disponível em: < http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2012493.pdf> [5] Costa, T.S. et al. Solar energy applications for the sustainable development of communities in the Brazilian Amazon: a case study of the Tapajós-Arapiuns Extractive Reserve. Preprint, 2020.