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Mudanças na cobrança do ICMS e impactos para consumidores

Lei Complementar 194/2022 traz alterações importantes para os brasileiros

Autor: 5 de julho de 2022Opinião
9 minutos de leitura
Mudanças na cobrança do ICMS e impactos para consumidores

Modificações na base de cálculo do ICMS energia elétrica

Com colaboração de João Paulo Marçal

Recentemente, foi publicada a LC 194/2022 (Lei Complementar nº 194/2022) que trouxe mudanças no tratamento tributário a ser dado para as operações com combustíveis, gás natural, energia elétrica, serviços de comunicações e transporte, alterando o CTN (Código Tributário Nacional) e a Lei Complementar nº 87/96, também conhecida como “Lei Kandir”, afetando diretamente a cobrança de ICMS, visto que são normas gerais de direito tributário.

A legislação acima define que os bens e serviços citados devem ser tratados juridicamente como essenciais e indispensáveis, vedando a aplicação de alíquota de ICMS superior às operações em geral, e especificamente para as operações com energia elétrica, altera a sua base de cálculo, pondo fim à discussão quanto a incidência do ICMS sobre a TUSD (Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição) e TUST (Tarifa do Uso do Sistema de Transmissão) e encargos setoriais.

Da alteração de alíquota de ICMS sobre energia elétrica

O ICMS, imposto de competência estadual, incide sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre os serviços de telecomunicação e transporte interestadual e intermunicipal. Por determinação constitucional, um dos princípios que rege o mencionado tributo consiste no princípio da seletividade.

O mencionado princípio determina que as alíquotas do ICMS devem ser definidas de acordo com a essencialidade do bem que está sendo alcançado pela tributação. Acontece que tal princípio não é corretamente observado pelos legisladores estaduais, estabelecendo alíquotas para as operações com energia elétrica superiores às gerais, e que chegam a 30% a depender do Estado.

Visando corrigir estas distorções, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu por meio do Recurso Extraordinário nº 714.139/SC, submetido à técnica da repercussão geral e, portanto, de observância obrigatória, que é inconstitucional a alíquota de ICMS superior às operações em geral relativo à circulação da energia elétrica.

Os efeitos da decisão do STF foram modulados, de modo que a sua aplicação somente passaria a ocorrer a partir do exercício financeiro de 2024, especialmente considerando o impacto desta redução de alíquota nos cofres públicos dos Estados e do Distrito Federal.

A alteração legislativa – ignorando o impacto da redução no orçamento dos entes federativos – ao seguir o precedente firmado no âmbito do STF, determinou que para as operações com energia elétrica, a fixação das alíquotas de ICMS não pode ser superior àquelas atribuídas para operações em geral, submetidas às alíquotas de 17% ou 18%. 

Com a recente modificação, espera-se que os Estados adequem suas legislações internas, a exemplo do Estado de São Paulo que recentemente emitiu informativo pela Secretaria de Fazenda e Planejamento destacando a redução do ICMS para 18% relativo às operações com energia elétrica destinada a consumidor residencial com consumo mensal acima de 200 kWh, que anteriormente era tributada à alíquota de 25%, representando uma redução na alíquota nominal de 7%.

Modificações na base de cálculo do ICMS energia elétrica

Não obstante a modificação na alíquota do ICMS, outra inovação da LC 194/2022 consiste na alteração direta na base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica, com previsão expressa de não incidência do ICMS sobre a TUSD e a TUST, pleito antigo dos contribuintes e que está pendente de julgamento pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) há cinco anos, suspendendo o andamento nacional de todos os processos relacionados ao tema.

A segunda modificação na base de cálculo do ICMS se refere a não incidência sobre encargos setoriais. Como é de conhecimento, tarifas de energia são reguladas e definidas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), e que são compostas também por encargos setoriais. Pela letra da LC 194/2022 é de se esperar que a base de cálculo da TE (Tarifa de Energia) – também deverá ser reduzida para fins de incidência do ICMS.  

As modificações representam redução substancial da tributação de ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica.  

Vigência da LC 194/2022 e sua aplicação pelos estados 

Em que pese ter sido protocolado pelos Estados de Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Piauí, Bahia, Mato Grosso Do Sul, Rio Grande Do Sul, Sergipe, Rio Grande Do Norte, Alagoas, Ceará e Distrito Federal, ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.195) em face da LC 194/2022, é de nossa opinião que a mesma não contraria a constituição. 

Os mais afoitos podem vir a entender que os consumidores têm seus direitos garantidos imediatamente, seja em relação a limitação de alíquota como também da redução da base de cálculo do ICMS energia elétrica, pois trata-se de lei complementar que passou regularmente pelo rito de aprovação legislativo previsto na constituição federal, mas esquecem-se da história de situações semelhantes. 

O Convênio ICMS 16/2015 é um desses exemplos bem conhecidos pelo setor de geração distribuída. Mesmo após sua publicação em 2015, a recepção das normas por alguns dos Estados ratificantes se deu apenas após alguns anos. Outro exemplo é a cobrança do ICMS-DIFAL, que após a publicação da Lei Complementar 190/2022, validou as normas internas estaduais para sua eficácia. 

Exemplos não faltam de Estados que já anunciaram a redução da alíquota do ICMS por meio de normas internas – o que valida a afirmação de que se deve esperar a recepção da LC 194/2022 pelos Estados para sua eficácia – como por exemplo Minas Gerais, através do Decreto nº 48.456 de 01 de julho de 2022, que reduziu a alíquota do ICMS sobre energia elétrica para 18%. 

Impactos para os diferentes agentes no mercado regulado e livre 

Mercado regulado

No mercado regulado a notícia é vista com otimismo, pois afeta diretamente o bolso dos consumidores, que são aliviados pela diminuição da incidência do ICMS, seja em relação às alíquotas, quanto da sua base de cálculo. 

As distribuidoras não são afetadas diretamente, pois o ICMS é cobrado dos consumidores finais pela mesma e repassado aos cofres públicos estaduais. Entretanto, enquanto responsável tributária por este tributo, devem interpretar, calcular, cobrar e entregar aos cofres públicos o valor correto do ICMS devido. Mas estariam as Distribuidoras confortáveis sobre todas as alterações implementadas pela LC 194/2022? 

Vale lembrar que atualmente está vigente a Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021, e que no seu art. 323, estabelece o dever da distribuidora devolver em dobro valores cobrados a maior, inclusive tributos, exceto se por motivo atribuível a terceiro e que demonstre a adoção de medidas cabíveis para mitigar a possibilidade de faturamento a maior.

É de se esperar que as distribuidoras provoquem os Estados a se manifestarem sobre a vigência das alterações introduzidas pela LC 194/2022 e detalhamento da base de cálculo do ICMS, que pela letra da lei devem expurgar valores com transportes e encargos setoriais nas operações com energia elétrica. 

Com relação ao mercado de geração distribuída, e que pertence ao regulado, existem interesses conflitantes. Para os consumidores-geradores que instalaram sistemas de geração distribuída próprio e usufruem do sistema de compensação de energia elétrica, o retorno de seu investimento passou a ser ainda melhor, pois deixam de ser onerados com o ICMS sobre a TUSD e encargos setoriais. 

Já para os empreendedores que investiram em ativos para locação a terceiros o caos tributário sempre foi benéfico. 

É o caso dos empreendedores de geração compartilhada que possuem ativos de geração em Estados que concedem a isenção de ICMS para a geração compartilhada, e que precificavam o valor da eficiência levada aos seus clientes incluindo o ICMS sobre a base cheia (TE + TUSD).

Para estes a base de cálculo sujeita ao desconto ficou mais achatada e consequentemente seus retornos devem ser fortemente atingidos, cabendo aos mesmo buscar alternativas para melhorar seus retornos via otimização de OPEX e/ou CAPEX. 

Mercado livre

As premissas utilizadas para viabilidade de projetos de autoprodução certamente consideram os impactos do ICMS para aqueles contribuintes que não se creditam do referido tributo, por isso, taxas de retorno do investimento devem ser prejudicadas de alguma forma em relação às condições anteriores, em que o impacto do ICMS era maior – quanto maior o valor do ICMS economizado com a solução energética fornecida, mais eficiência é levada ao consumidor. 

Para as comercializadoras o efeito é neutro, pois o valor da energia é precificado sem tributos, mas deve trazer certa complicação enquanto responsável pela emissão de notas fiscais e demais obrigações acessórias, gerando dúvidas sobre qual o real montante do ICMS devido com o advento da LC 194/2022, além de sofrer pressão por parte de seus clientes ávidos por receber os benefícios trazidos pelo novel legislação a toque de caixa. 

Para os geradores as alterações também são neutras, pois estes já não eram responsáveis pelo recolhimento do ICMS, exceto se a venda for direta a um consumidor dentro do mesmo Estado, mas que o ônus de qualquer forma recai sobre este último.  

Conclusão

As mudanças são drásticas e a insegurança jurídica tremenda para o setor de energia elétrica, que deverá levar tempo para se adequar, pois criou regras de mercado que agora precisam ser revistas. 

Premissas, contratos e procedimentos devem ser revisados com urgência. Para os consumidores, estes devem ficar atentos aos seus direitos, sendo identificado o faturamento a maior, devem solicitar diretamente à distribuidora para que cesse o erro e realize a devolução, tal como preconizado nas normas regulatórias. 

Para os investidores em ativos de geração compartilhada que forem impactos, planejamentos tributários são opção para reduzir os impactos com diminuição de receita. 

Mais do que nunca o direito tributário deverá ser considerado na estruturação dos projetos de energia elétrica, bem como na acomodação de cláusulas tributárias nos contratos de compra e venda de energia, conhecidos pelo mercado como PPA (Power Purchase Agreement), mitigando  impactos decorrentes das alterações da LC 194/2022. 

Einar Tribuci

Einar Tribuci

Advogado especializado no setor de energia elétrica e em direito tributário, sócio fundador do Tribuci Advogados e diretor jurídico e tributário da ABGD. Possui experiência como advogado há mais de 15 anos, atuando em diversas áreas do direito, especialmente contratos do setor de energia elétrica e tributário em geral.

2 comentários

  • RALPH PETTINI disse:

    Excelente matéria.
    Aproveito para parabenizar ao Advogado especializado no setor de energia elétrica e em direito tributário – Dr. Einar Tribuci, pelos seu resumo esclarecedor, trazendo luz sobre o tema que é de suma importância para o consumidores de energia elétrica, principalmente para aqueles com atendimento na AT e Média tensão, com bi tarifação (kW e kWh), dado ao fato da isenção dos tributos na TUSD, que era uma pleito antigo dos consumidores e que estava pendente de julgamento pelos Tribunais de Justiça, há anos.
    Parabenizo também a vocês do Canal Solar, pela divulgação desse material.
    Boa tarde…
    Att.
    RALPH PETTINI

  • Leonardo Ponte disse:

    Muito bom o conteúdo compartilhado Einar Tribuci. Sou engenheiro eletricista e trabalho no setor de energia solar, mais especificamente na modalidade de geração compartilhada dentro do SCEE. Sempre que procuro sobre os tributos cobrados na MMGD, surge você como referência no assunto. Parabéns pelo conhecimento compartilhado!

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