Aconteceu na última quinta-feira (07/11/2019), no Clube do Exército em Brasília a Audiência Pública nº 040/2019, que teve como objetivo obter contribuições da sociedade sobre as mudanças previstas para a Resolução Normativa nº 482/2012 que rege a geração distribuída.
Na audiência, que durou o dia todo e contou com cerca de 800 participantes, as entidades ligadas ao setor e oradores independentes puderam dar sua contribuição para a diretoria da ANEEL. Com uma ampla frente de discussão, pode-se notar que algumas opiniões foram comuns a muitos palestrantes.
O setor agrícola esteve presente em massa nas discussões. Entidades e cidadãos associados ao agronegócio argumentaram sobre as vantagens da energia da geração distribuída associada à realidade que o empresário e trabalhador do campo encontram.
Existe uma dificuldade de se obter energia de boa qualidade, isto é, dentro dos valores estabelecidos pela ANEEL e sem interrupções frequentes no meio rural. As frequentes interrupções de energia, o tempo elevado para reparos no campo e o valor elevado da energia tornam muito atraente as vantagens de se ter um sistema de geração distribuída.
O agronegócio é o principal motor da economia brasileira, e o mesmo necessita de preços competitivos de energia para crescer e continuar prosperando. Também foi relembrado que no meio rural não é só a energia solar que se torna viável. A geração distribuída também é comumente realizada com usinas a biogás, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas.
As outras fontes que compõe a geração distribuída, biogás, eólica e pequenas hidrelétricas também estavam representadas pelas suas associações. A ABIOGAS, Associação Brasileira de Biogás, relembrou que os benefícios da geração de energia por esta fonte são comparáveis aos benefícios da fonte solar, que é a mais expressiva na geração distribuída. A fonte tem pouca expressividade no balanço atual da geração distribuída, porém, tem um grande potencial de crescimento, pois sua matéria prima é gerada por dejetos do meio rural. A fonte também representa um impacto ambiental positivo, pois transforma passivos ambientais em ativos energéticos mais limpos.
O biogás é uma fonte que não sofre tanta intermitência quanto a solar e a eólica, pode ser armazenado portanto pode tornar a rede elétrica mais confiável e previsível. A associação ainda estranhou o fato de que quase todas as suas contribuições foram ignoradas pela ANEEL, sem que a mesma respondesse o motivo.
A ABRAPCH (Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidroelétricas) defende que a ANEEL deve manter pelo menos por 25 anos as regras atuais para sistemas que iniciem operação antes da mudança da norma.
Hoje existem 16 pequenas centrais hidrelétricas conectadas no sistema de compensação de créditos, com previsão para que se adicionem 30 empreendimentos até o final de 2020. A associação também entende que pagar a parcela de TUSD A e TUSD B, isto é, da transmissão e distribuição, é justo, uma vez que os sistemas de geração distribuídas utilizam a infraestrutura, porém, os encargos relacionados a expansão do sistema devem ficar de fora da nova compensação de energia, já que os sistemas em geração distribuída já aliviam essa necessidade pela sua própria natureza.
Rodrigo Sauaia, presidente executivo da ABSOLAR, afirmou que a ANEEL deveria considerar todos os benefícios diretos e indiretos da geração distribuída solar fotovoltaica no processo de revisão da 482. Como noticiado em nosso artigo ANEEL anuncia proposta desastrosa para o setor e surpreende o mercado, a agência surpreendeu negativamente a todos quando afirmou que todos os benefícios atrelados a fonte solar, que foram levados em conta durante todo o processo, simplesmente não seriam mais considerados nas decisões da revisão da RN 482. Ainda segundo o executivo da ABSOLAR “a análise da agência reguladora deve incluir, por exemplo, a postergação de investimentos em transmissão e distribuição de eletricidade, alívio das redes pelo efeito vizinhança, geração de emprego e renda, diversificação da matriz elétrica e redução de emissões de gases de efeito estufa, entre diversos outros benefícios que superam, em muito, quaisquer eventuais custos da geração distribuída”.
Figura 1. Rodrigo Sauaia, executivo da ABSOLAR durante sua fala na Comissão de Infraestrutura do Senado, realizada em 31/10/2019.
A associação ainda defende que a ANEEL mantenha a segurança jurídica dos empreendimentos já conectados, pois muitos deles foram modelados para o cenário em que a agência honrasse as condições de compensação do momento da conexão. Os negócios são projetados para um horizonte de 25 anos, período típico de funcionamento de um sistema fotovoltaico.
A ABSOLAR ainda teme que o modelo regulatório proposto cause um enorme retrocesso no setor, pois os modelos de autoconsumo remoto e geração compartilhada se tornariam inviáveis por um longo período de tempo.
Hoje a geração distribuída de fonte solar representa somente 0,2% do total da matriz energética, o que faz com que a revisão proposta para a ANEEL inviabilize um setor ainda muito pequeno e com pouco impacto real na rede.
Bárbara Rubim, também integrante da ABSOLAR, ressaltou em sua fala que o setor de energia solar distribuída gerou empregos mesmo quando o país atravessava sua pior crise econômica e que, medidas como as propostas pela ANEEL representariam uma diminuição significativa no número de novos empregos e empreendedores no setor.
Hoje a geração distribuída de fonte solar representa somente 0,2% do total da matriz energética, o que faz com que a revisão proposta para a ANEEL inviabilize um setor ainda muito pequeno e com pouco impacto real na rede
A classe política também participou do evento. O senador Major Olímpio (PSL/SP) e o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos/MG) reiteraram pontos levantados na reunião da Comissão de Infraestrutura realizada no Senado na quinta-feira 31/10. A Comissão contou com a participação de diversos senadores e deputados federais, onde os mesmos questionaram diretamente ao corpo diretivo da ANEEL sobre as mudanças propostas na RN 482.
O senador sugeriu que o assunto seja levado até a Comissão de Estudos Econômicos do senado, para que os impactos socioeconômicos sejam devidamente estudados. Major Olímpio ainda reiterou, conforme depoimento unânime do senado, que a ANEEL deve explicar melhor suas decisões e deve no mínimo dar um prazo maior para que todos os estudos sejam realizados.
Figura 2. Senadores debatem as propostas da ANEEL para o setor de geração distribuída na Comissão de Infraestrutura realizada em 31/10/2019.
As concessionárias também estiveram presentes através de associações ou contribuições diretas. O discurso do setor se baseou na redução do chamado “subsídio cruzado” e desequilíbrio de cobrança, onde consumidores que não participam da geração distribuída estariam pagando os custos da rede inerentes à geração do consumidor com solar, e que hoje não são descontados dos créditos de tais consumidores.
Este desequilíbrio de cobrança pode causar uma concentração de renda, pois os consumidores mais ricos são os que tipicamente instalam sistemas de geração distribuída, enquanto que para o consumidor de baixa renda essa possibilidade é mais remota. O setor foi contundente ao dizer que não se posiciona contra a geração distribuída, porém, somente busca uma maneira justa e equilibrada para balizar o crescimento exponencial da geração distribuída.
Esse ponto foi duramente criticado nos discursos das entidades e pessoas ligadas à geração distribuída, pois a mesma embora cresça exponencialmente ainda representa uma fatia muito pequena do mercado (0,2% da matriz energética).
A ABRADEMP (Associação Brasileira de Distribuidoras de Menor Porte) argumenta que a geração distribuída no modelo atual não é capaz de remunerar adequadamente as distribuidoras pelo uso da rede e que a diminuição dos preços dos componentes dos sistemas fotovoltaicos deve ser suficiente para compensar a queda de rentabilidade prevista pela proposta da ANEEL.
Foi levantado ainda o fato de que vários países já passaram por mudanças de resoluções parecidas com a proposta pela ANEEL, como Estados Unidos, Alemanha e Austrália, ponto que foi rebatido por especialistas no setor, que afirmaram que a revisão se deu quando a fonte solar já representava mais de 5% da matriz energética de tais países.
Os empresários e cidadãos ligados ao setor deram o maior número de contribuições para a audiência. A geração de empregos foi tema recorrente das contribuições. O setor de geração distribuída solar tem participação grande de micro e pequenos empreendedores que, mesmo em momentos de retração da economia, geraram entre 75 e 100 mil empregos.
O mercado solar é um dos mercados com melhor previsão de crescimento de número de empregos, com aumentos exponenciais desde que fora iniciado em 2012. Essa movimentação da economia é benéfica para toda a sociedade e, segundo os oradores que representavam a sociedade civil, não foi considerada pela ANEEL.
Figura 3. A audiência contou com uma participação pública expressiva. Na foto, integrantes uniformizados do grupo Movimento Solar Livre.
A fonte solar, segundo os contribuintes, pode diminuir os custos de expansão da rede elétrica e aumentar a segurança energética, uma vez que a geração junto a carga alivia a demanda de energia da rede e o aprimoramento do sistema elétrico realizado pela iniciativa privada no contexto de geração distribuída fortalece a matriz energética nacional. Também foi levantado o tema de sustentabilidade ambiental, que, no solar, é representado pela geração de energia de fontes limpas e da diminuição da necessidade de uso das termoelétricas, efetivamente diminuindo a emissão de gás carbônico.
Associações de consumidores trouxeram ao debate a questão da liberdade de escolha no setor elétrico, dizendo que os consumidores devem poder escolher entre gerar a sua própria energia ou consumir da concessionária, sem serem desincentivados pelas mudanças propostas pela ANEEL.
As contribuições vem para enriquecer a sociedade e o setor de energia, e mostrar a ANEEL a importância e a grandeza das discussões levantadas. O setor de geração distribuída se mostrou organizado e unido contra as mudanças propostas pela agência reguladora, e deve continuar assim até que haja uma posição final da ANEEL. A ANEEL prorrogou recentemente o prazo das contribuições públicas. Leia mais no nosso artigo: ANEEL prorroga o prazo para envio de contribuições referentes a RN 482.
O Canal Solar esteve presente na audiência pública AP 040/2019 e participará de todas as etapas até a aprovação da alteração da RN 482.