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Reprovação de projetos: a inversão de fluxo de potência é de fato um problema?

Vários pedidos de conexão de GD têm sido reprovados em estados brasileiros

Autor: 2 de agosto de 2023agosto 16th, 2023Setor Elétrico
9 minutos de leitura
Reprovação de projetos: a inversão de fluxo de potência é de fato um problema?

Crédito: Prefeitura de Uberlândia/Reprodução

(..) A (…) identificou inversão de fluxo de potência (…) devido à conexão nova ou ao aumento de potência injetada de sua microgeração. Dentre as opções (…), a única viável e de menor custo global (…) é a injeção (…) restrita ao horário das 19:00h às 05:00h (durante todos os dias).

Imagem: Fonte desconhecida

Se você solicitou um orçamento de conexão nos últimos meses no estado de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, é bem provável que tenha recebido um comunicado desses limitando a injeção da energia na rede elétrica de distribuição. Em alguns casos as distribuidoras limitam a injeção no período entre 19h e 5h, justamente no horário em que não há incidência solar.

As distribuidoras destes estados estão emitindo orçamento de conexão impondo limitação de injeção de energia, sob a alegação de que esta medida é necessária para contornar os problemas que podem ser causados pela reversão de fluxo de potência.

Em suas disposições, as distribuidoras de energia se apoiam no Art. 73 da REN 1000, que diz: “Caso a conexão nova ou o aumento de potência injetada de microgeração ou minigeração distribuída implique inversão do fluxo de potência no posto de transformação da distribuidora ou no disjuntor do alimentador, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão…”.

Mas o que é a inversão do fluxo de potência? E como um integrador ou um consumidor final pode contornar essa situação e viabilizar a instalação de um sistema fotovoltaico nestas condições?

O que é a inversão do fluxo de potência?

Antes de explicar a inversão do fluxo de potência é necessário primeiro entender o que é o fluxo de potência.

Geraldo Silveira, engenheiro eletricista da equipe de engenharia do Canal Solar, esclarece que o fluxo de potência ou fluxo de carga são os caminhos percorridos pela potência ativa e reativa em todos os elementos que compõem o sistema elétrico.

O fluxo de potência determina o comportamento das grandezas elétricas (tensões, correntes e potências) ao longo dos circuitos do sistema elétrico.

Para saber se as variações destas grandezas não irão degradar a estabilidade da rede, é feito um estudo do fluxo de potência. O estudo de fluxo de potência visa prever o comportamento das variáveis elétricas de um sistema e garantir que todos os parâmetros estejam dentro dos limites de suportabilidade dos equipamentos que compõem a rede.

“Basicamente, busca-se prever, para situações de operação em regime permanente senoidal, ou seja, em situação normal de operação, quais são os valores das variáveis elétricas em diversos pontos do sistema em análise”, explicou.

Ele ainda ressalta que para este tipo de operação é necessário usar softwares de simulação da rede elétrica específicos, baseados em formulações matemáticas, que conseguem prever esses valores a partir da modelagem do sistema.

“Essa modelagem leva em conta as gerações, cargas, linhas de transmissão e distribuição, transformadores e demais equipamentos que compõem o sistema elétrico”, pontua.

Em um modelo clássico do SIN (Sistema Interligado Nacional), o sentido natural do fluxo de potência ocorre dos grandes centros geradores para os centros consumidores. Ou seja, as unidades consumidoras (UCs) eram consumidoras somente.

Para ficar mais claro, observe a Figura 1 abaixo. Repare que o fluxo vai da geração para a carga.

Importante destacar que este exemplo é apenas para uma explicação didática, na prática existem diversas fontes de gerações e diversas cargas. Ou seja, o sistema, principalmente de distribuição, opera de maneira predominantemente radial.

Figura 1: Exemplo do sentido do fluxo de potência

Figura 1: Exemplo do sentido do fluxo de potência

Nos casos de reversão de fluxo, o que acontece é que a concessionária identifica em alguns pontos do seu sistema, que o fluxo ao invés de ir no sentido apresentado na Figura 1, ele vai no sentido contrário, conforme apresenta a Figura 2.

Figura 2: Exemplo do fluxo no sentido contrário ao convencional 

Figura 2: Exemplo do fluxo no sentido contrário ao convencional

Isso significa que o conjunto de gerações distribuídas daquele região, além de suprir toda a demanda das cargas locais, gera um excedente que está sendo enviado para a rede operada pela concessionária..

Isso é o fluxo reverso, ou seja, o fluxo está no sentido contrário ao convencional devido a grande concentração de geração próximo a carga.

“Em uma simulação considerando todos estes fatores, o software pode indicar que está ocorrendo a reversão do fluxo em pontos específicos do sistema elétrico”, comenta o engenheiro.

Por si só, a reversão de fluxo de potência não é um problema para o sistema. “O problema é quando o fluxo de potência reverso ocasiona violação dos limites de carregamento dos equipamentos da rede elétrica ou quando os módulos de tensão dos barramentos ultrapassam os limites operativos. Ou seja, o fluxo reverso é um problema quando ele faz com que a rede elétrica na qual ele flui saia de um estado operativo sem violações para um com violação instabilidade”, explica.

Para exemplificar, a reversão do fluxo de potência pode causar violação dos limites de tensão de um sistema de distribuição, esses limites são pré-estabelecidos no módulo 8 do Prodist. Manter os níveis de tensão dentro dos limites pré-estabelecidos é essencial para a estabilidade do sistema.

Silveira destaca que estes problemas são previamente identificados nas simulações de fluxo de potência nos softwares específicos. “E aí está a importância de softwares como este, pois eles conseguem identificar os problemas mesmo antes de ocorrerem”, diz.

Apesar da REN 1000 apontar que a inversão de fluxo, caso aconteça, a distribuidora deve realizar estudos para identificar as opções viáveis que eliminem tal inversão, tecnicamente, a simples reversão de fluxo, não deve ser utilizado como critério de reprovação, que pois nem sempre tal reversão causará impacto na operação da rede.

Na avaliação dele, o estudo detalhado deve ser apresentado mostrando esta reversão e apontando os locais do sistema que sofrerão superação dos seus limites operacionais.

“Este ponto é importante para que se demonstre transparência com o cliente e assim se mantenha o bom relacionamento entre distribuidoras e acessantes”, ressalta.

Segundo Dirceu Ferreira, engenheiro eletricista que atuou na CPFL Energia por mais de 33 anos na área de Planejamento do Sistema Elétrico de Distribuição, o Art. 73 da REN 1000/2023 “deu um cheque em branco para as concessionárias barrarem os Pareceres de Acesso e deve ser corrigido”.

Segundo ele, “nem sempre a reversão de fluxo causará degradação dos parâmetros da rede. A reversão será prejudicial somente se superar algum limite operacional do sistema”, completou ele.

Mas o que fazer diante desta situação?

O Canal Solar ouviu advogados especialistas no assunto para melhor orientar os integradores que se sentem prejudicados. “O que o empreendedor precisa saber é que pode haver inversão sim do fluxo de potência, mas ele somente pode aceitar essa alegação da distribuidora se a concessionária de distribuição comprovar, motivada e detalhadamente”, explica Thiago Bao Ribeiro, advogado.

A maioria das reclamações aponta para respostas padrão emitidas pelas Concessionárias. Eles usam o §1º do Art 73 da REN 1.000/2021, incluído pela 1.059/2023, como suporte para o comunicado, mas sem disponibilizar os estudos que levaram a essa conclusão.

Para o advogado, essa é a primeira providência a tomar após a negativa. “O art. 78 da mesma resolução 1.000 obriga a distribuidora a fornecer esses estudos no prazo de 10 dias. A partir daí compete ao integrador verificar se a companhia avaliou cada hipótese descrita do art. 73 da resolução 1.000, sendo uma delas a restrição de injeção em determinados horários”.

De acordo com a norma, a distribuidora tem que analisar cada uma das hipóteses descritas e escolher a que tiver o menor custo global de obra de conexão. Para novas conexões, a resolução prevê a possibilidade de indicação de “opções viáveis” para que as inversões não ocorram, apontando cinco alternativas, dentre elas a “redução da potência injetável em dias e horários pré-estabelecidos ou de forma dinâmica”.

“Na sua grande maioria os orçamentos de conexão estão sendo emitidos sem demonstração da inversão do fluxo e da máxima capacidade de conexão/escoamento sem inversão de fluxo, violando a resolução”, enfatiza Ribeiro.

O advogado Lucas Pimentel reforça que “o estudo deve considerar todas as alternativas, com o consumidor podendo escolher a menos onerosa para ele. Da forma como está, as Concessionárias simplesmente jogam uma hipótese que inviabiliza a operação, sem demonstrar a análise das demais hipóteses ou tampouco demonstrar que houve estudo que ateste a inversão de fluxo”.

Para começar a resolver o problema, o primeiro passo é requerer na Concessionária o acesso aos estudos que embasaram a instrução e revisá-los. Caso seja necessário, existe a ouvidoria da empresa e também a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Por fim, caso o conflito não se resolva, o poder Judiciário pode ser acionado, “especialmente para obrigar a distribuidora apresentar os estudos detalhados e ou considerar alternativas mais econômicas e viáveis para os consumidores”, detalha Ribeiro.

O problema que começou com a Cemig D, segundo levantamento da ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), tem ganhado abrangência nacional, envolvendo, pelo menos, ainda as seguintes empresas: CPFL Paulista, RGE, Celpe, Coelba, Enel (CE), Energisa (MS), Enel (GO), Equatorial (PA) e Energisa (TO).

* Com colaboração de Filipe Calmon, jornalista do Canal Solar em Brasília (DF)

Ericka Araújo

Ericka Araújo

Head de jornalismo do Canal Solar. Apresentadora do Papo Solar. Desde 2020, acompanha o mercado fotovoltaico. Possui experiência em produção de podcast, programas de entrevistas e elaboração de matérias jornalísticas. Em 2019, recebeu o Prêmio Jornalista Tropical 2019 pela SBMT e o Prêmio FEAC de Jornalismo.

2 comentários

  • João Vicente dos Santos Gutierrez disse:

    Vejo que simplesmente as concessionárias estão tratando o problema de forma leviana, penalizando os consumidores.
    Na minha opinião, realizar investimentos em baterias com maior durabilidade e os clientes instalam sistemas OFF GRID.

    • O problema, João, é que a geração distribuída não é feita apenas de sistemas de menor porte. A viabilidade financeira, que é quem determina as regras do jogo, fica seriamente comprometida quando se fala em implantar capacidade de armazenamento. Isso sem contar com a energia que “deixa de ser produzida” quando o armazenamento satura…

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