No último dia 18 de junho de 2025, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou a Portaria Normativa nº 111/2025, que estabelece as diretrizes gerais para estímulo à digitalização gradual das redes de distribuição de energia elétrica de baixa tensão. Trata-se de mais um marco normativo alinhado com a agenda de modernização do setor elétrico brasileiro, impulsionada por temas como transição energética, abertura de mercado e inovação tecnológica.
Como advogada atuante na regulação do setor de energia, avalio que a Portaria representa um passo importante, mas que também levanta desafios jurídicos, econômicos e operacionais que precisarão ser cuidadosamente enfrentados pelos agentes e pela própria Aneel.
O Contexto regulatório sempre foi um passo inicial crucial apesar de em algumas situações surgir após o evento causador, mas como um caminho para a transformação estrutural de conceitos e para a implementação de novas ferramentas – a digitalização do serviço de distribuição de energia elétrica para baixa tensão – estará diretamente ligada à implementação de medidores inteligentes, à gestão eficiente da demanda e à ampliação do acesso aos dados dos consumidores (movimento conhecido como Open Energy).
MME quer digitalizar o sistema de distribuição de energia até 2035
A Portaria Normativa MME nº 111/2025 encontra respaldo legal no Decreto nº 12.068/2024, que já previa, entre suas atribuições ao MME, o estabelecimento dessas diretrizes e também se articula com os princípios da Lei nº 9.074/1995 e com os recentes debates recentes sobre a abertura do mercado de energia para a baixa tensão.
Porém, os principais avanços institucionais, do ponto de vista jurídico e regulatório, a Portaria se destaca por definir princípios claros para a digitalização, como isonomia, transparência, segurança cibernética e modicidade tarifária, fortalecer a governança de dados, ao exigir APIs abertas para consumidores e mercado, sempre com observância da LGPD (Lei nº 13.709/2018), induzir a inovação e novos modelos de negócio, o que poderá abrir espaço para novos entrantes no mercado de serviços de energia, trazer previsibilidade regulatória, ao condicionar a implantação dos medidores a uma análise prévia de custo-benefício, evitando repasses tarifários automáticos e injustificados.
Apesar do avanço da Portaria, alguns desafios jurídicos e regulatórios merecem atenção: como exemplo: a implementação de funcionalidades como corte e religamento remoto de energia, se não acompanhada de critérios objetivos e garantias ao consumidor vulnerável, pode gerar conflitos jurídicos. Há sempre o risco de ações individuais ou coletivas por abuso ou falha nos procedimentos.
O repasse tarifário: a definição de quem arcará com os custos da digitalização (concessionárias, consumidores ou via fundos setoriais) ainda dependerá de regulamentação específica da Aneel. Existe aqui o risco de oneração indevida do consumidor final, especialmente o consumidor de baixa renda. E, embora a Portaria traga exigências de segurança, o tratamento de dados sensíveis de consumo exigirá rigor técnico e jurídico das distribuidoras para evitar incidentes que possam resultar em sanções por violação à LGPD.
As distribuidoras de Energia também irão precisar revisar seus contratos com fornecedores de tecnologia, buscando cláusulas claras sobre responsabilidade técnica, SLAs, requisitos de interoperabilidade e compliance regulatório.
A Portaria deixa claro que a implementação prática da digitalização será desenhada via regulamentação futura da Aneel, incluindo: definição de indicadores de desempenho; regras sobre propriedade dos medidores, padrões de segurança cibernética, procedimentos para análise de custo-benefício. O desenho dessas regras secundárias será determinante para o sucesso (ou fracasso) do processo. Recomenda-se que agentes do setor e entidades de defesa do consumidor acompanhem de perto as próximas consultas públicas da Aneel.
A Portaria 111/2025 é uma oportunidade transformacional para tornar o sistema de distribuição mais eficiente, seguro e transparente, mas será necessária uma forte atuação conjunta entre regulador, concessionárias, consumidores e o mercado de tecnologia.
Do ponto de vista jurídico, os próximos meses exigirão:
- Monitoramento regulatório constante;
- Ajustes contratuais nas distribuidoras;
- Revisão de modelos de negócio por comercializadoras, ESCOs e outros agentes;
- Análise de impacto tarifário;
- Estratégias de mitigação de riscos jurídicos e de imagem.
A transformação digital da distribuição de energia é inevitável, mas o desafio será garantir que ela ocorra de forma inclusiva, segura, regulatória e juridicamente sólida, com foco real no consumidor de energia.
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